A DROMOCRACIA CIBERCULTURAL E AS REVOLUÇÕES GÊMEAS DA TECNOLOGIA: implicações sociotécnicas e políticas nas sociedades contemporâneas
Palavras-chave:
cibercultura, disrupção tecnológica, sociedade.Resumo
Este resumo tem como tema os avanços científico-tecnológicos e seus efeitos sociotécnicos e políticos na sociedade do século XXI, baseado na percepção de autores consagrados nos temas ligados à informática na educação, tecnologias e humanidades e à cibercultura. As análises aqui apresentadas foram extraídas de reflexões emergentes dos livros Dromocracia Cibercultural: lógica da vida humana na civilização midiática avançada, de Eugênio Trivinho (2007), e 21 lições para o século 21, escrito por Yuval Noah Harari (2018). As duas obras apresentam reflexões críticas, atuais e extremamente relevantes sobre o objeto de estudo deste trabalho, isto é, as implicações socioténicas e políticas nas sociedades contemporâneas, como resultantes do avanço tecnológico da “cultura da velocidade e das redes” (SANTAELLA, 2003, p. 82) agravadas pela difusão científica da tecnologia da informação e da biotecnologia. O objetivo é analisar os avanços tecnológicos e implicações práticas da cibercultura na sociedade contemporânea, tendo como base o vetor velocidade e as suas implicações nos fenômenos sociais a partir do conceito Dromocracia Cibercultural de Trivinho (2007), bem como as incertezas do desenvolvimento científico para as pessoas, trazidas pela aplicação, cada vez mais abrangente, de algoritmos de inteligência artificial (IA) e da biotecnologia na sociedade, à luz das lições de Harari (2018). A partir do conteúdo crítico dos autores citados, tomaremos como referencial teórico para a análise a abordagem sociocognitiva dos contextos e discursos interpostos, da teoria de Van Dijk (2017), para apresentarmos aproximações epistemológicas na direção do objetivo. Logo, este artigo se justifica pela análise e difusão dos desafios atuais relacionados ao objeto de estudo, com implicações na questão da desinformação e da ausência do domínio cognitivo conforme, exigidos pela cibercultura e pela participação política na contemporaneidade, para que a humanidade possa refletir e posicionar-se diante do presente e do futuro das próximas gerações. Partimos do conceito de Dromocracia Cibercultural de Eugênio Trivinho (2007, p. 21) que, segundo o autor, abrange de forma precisa as características atuais do capitalismo que integra “[...] comunicação em rede, instantaneidade e cultura digital...” com o desenvolvimento “[...] avançado da informação midiática em tempo real.” De acordo com Trivinho, a Cibercultura deve ser compreendida como a “[...]configuração material e a atmosfera simbólica e imaginária internacionais da era pós-industrial avançada, correspondente à informatização e virtualização generalizada da vida social seja no âmbito do trabalho, seja no do tempo livre.” Para Trivinho, portanto, a cibercultura não se limita apenas ao que acontece “[...] na interioridade do cyberspaço [mas] aquém e além...” dos equipamentos e redes formadores da web, “[...] a rede mundial de computadores internacionalmente colonizada e por toda as iniciativas comerciais e publicitárias.” (Id., p. 100-101). Nessa mesma perspectiva que junta os fenômenos no campo social, o político e tecnológico, Harari (2018, p. 13) discute sobre “[…] o que está acontecendo no mundo hoje, e qual é o significado profundo [refletido nas pessoas] dos eventos”, como questão abrangente e norteadora. Nessa lógica, Harari (2018, p. 17) acerta ao afirmar que, em cenários de crise, “Filósofos são muito pacientes, mas engenheiros são muito menos, e investidores são os menos pacientes de todos [e] as forças do mercado não vão esperar mil anos por uma resposta.” Nesta passagem, o autor se aproxima de Brüseke (2010, p. 9), para quem “Ciência e técnica e não um projeto político e cultural, revelam-se como eixo principal da sociedade moderna. A técnica está presente e modificou todas as áreas da vida contemporânea.” Tanto a visão de Trivinho como a de Harari anunciam as consequências da evolução tecnológica e alertam para suas imperfeições e ameaças à vida. Neste contexto, Trivinho (2007, p. 93-96, destaques do autor) traz como referência basilar a crítica de que a “[...] velocidade é incomparavelmente a forma atual mais sutil da violência da técnica. [...] a violência da velocidade comparece alçada à categoria de ‘fato social total’. Na era tecnológica avançada, o mundo é que segue, a reboque, a velocidade.” Baseado nesse entendimento da violência imposta pela velocidade, Trivinho afirma que ela “[...] se autojustifica pela transformação compulsória da dromoaptidão [formada por] dromos, prefixo grego que significa agilidade, celeridade; aptidão, [...] propensão ou habilidade tecnicamente treinada” e demandada em todos os setores da sociedade. (Id., p. 92-97). Nessa linha da “[...] velocidade como vetor organizatório...” e integrando o conceito da cibercultura, Trivinho define a expressão dromocracia cibercultural como “[...] um regime transpolítico [...] erigido no contexto de um regime político tradicional e visível, a democracia [...], um regime eclipsado na dinâmica tecnológica da democracia contemporânea, [um], ipsis litteris, processo. (Id., p. 101-102). Por outro lado, Harari (2018, p. 17) afirma que “[…] a democracia liberal […] é o modelo político mais bem-sucedido e versátil que os humanos desenvolveram até agora para lidar com os desafios do mundo moderno.” Entretanto, o mesmo autor assegura que uma “Sensação de desorientação e catástrofe iminente é exacerbada pelo ritmo acelerado da disrupção tecnológica”. Esse fenômeno vem impondo dificuldades ao sistema político liberal para assimilar o desenvolvimento tecnológico correspondente à tecnologia da informação e à biotecnologia, as “revoluções gêmeas da tecnologia”, sem que políticos e eleitores tenham a noção exata de seus efeitos na sociedade. (Id., p. 24-25). Nessa mesma lógica dos efeitos sociotécnicos, Trivinho (2007, p. 103, destaques do autor), afirma que o preço exigido pela cibercultura para que qualquer cidadão possa se manter dromoapto ciberculturalmente é o de atender aos requisitos que o autor chama de “[...] gerenciamento infotécnico da existência [...], o domínio de fatores de eficiência e de trânsito [ por via das] senhas infotécnicas de acesso à cibercultura.” Para o autor, tais requisitos compreendem o “objeto infotecnológico (hardware), produtos ciberculturais compatíveis (software), status irrestrito de usuário da rede, capital cognitivo necessário para operar os três fatores e capacidade geral [...] de acompanhamento regular das reciclagens estruturais dos objetos, produtos e conhecimentos.” Todavia, o mesmo autor entende que a “ausência do mencionado domínio determina, por seu turno, uma exclusão escalonada, que se estende, [...] da esfera produtiva ao direito de sintonia com a época”, isto é, exclusão social. Essa condição de excluído social corresponde ao cidadão dromoinapto, sobre o qual Trivinho (2007, p. 107) afirma que recai “[...] um novo preconceito, [o] desempenho veloz socialmente aceitável como paradigma de normalidade, [que acende] os traços de uma nova forma tecnológica de estigmatização da alteridade...”, isto é, um preconceito social pela inabilidade com a dromocracia cibercultural. (Id., p. 107, destaques do autor). De seu referencial, Harari (2018, p. 24-25) se aproxima da constatação de Trivinho, ao lembrar que “[…] A partir da década de 1990, a internet mudou o mundo […], mas a revolução da internet foi dirigida mais por engenheiros que por partidos políticos”, sinalizando que o sistema democrático “[…] está mal equipado para lidar com […] o advento da inteligência artificial (IA) e a revolução da tecnologia de blockchain ”, por exemplo. Com efeito, Harari assinala que “As revoluções [da tecnologia] são feitas por engenheiros, empresários e cientistas que têm pouca consciência das implicações políticas de suas decisões, e que, certamente não representam ninguém...”, a não ser a si próprios e às corporações. (Id., p. 25-26). Dessa forma, o pensamento de Harari alerta que as tecnologias disruptivas, em especial a inteligência artificial e a biotecnologia, fogem ao controle e à regulação pela sociedade, pois esta e os seus representantes nos poderes constituídos das repúblicas democráticas liberais sequer sabem o que se projeta em termos de cenário social na produção, no trabalho e no consumo, que formam a base de formação e sustentação da riqueza e dos regimes liberais. Como agravante, a disrupção tecnológica controlada por cientistas, engenheiros e corporações deverá, segundo as hipóteses de Harari, aumentar o poder e a abrangência dos algoritmos inteligentes em rede na produção e ampliar a redução das ofertas de trabalho individual, bem como acelerar o processo de exploração dos recursos naturais, sem que políticos e eleitores tenham a ideia de como regular esse potencial social explosivo que se projeta para as próximas décadas. Em suma, é factível a percepção de que tanto Trivinho como Harari se aproximam em relação às questões sociotécnicas e políticas relacionadas com as implicações dos avanços tecnológicos, diante dos desafios da cibercultura numa sociedade aparentemente dromoapta, mas que, no entanto, demonstra estar à margem dos riscos impostos pela violência da velocidade como fenômeno social e das incertezas trazidas pelas revoluções gêmeas da tecnologia.Downloads
Referências
BRÜSEKE, Franz Josef. A modernidade técnica: contingência, irracionalidade e possibilidade. Florianópolis: Insular, 2010.
DIJK, Teun A. van. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Tradutor Rodolfo Ilari. 1.ed. São Paulo: Contexto, 2017.
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
LÉVY, Pierre. A Emergência do Cyberspace e as mutações culturais. In: PELLANDA, Nize Maria; PELLANDA, Eduardo Campos (org). Ciberespaço: Um Hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.
SANTAELLA, Lúcia. Culturas e arte do pós-humano: da cultura de mídias à cibercultura. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
TRIVINHO, Eugênio. Dromocracia cibercultural: Lógica da vida humana na civilização midiática avançada. – São Paulo: Paulus, 2007.
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